Ilka de Lima Silva, 80 anos, pertence a uma família de oito irmãos que muito cedo deixou a pequena Cataguases em busca de oportunidades nos centros urbanos. Igual a muitos dos seus conterrâneos, ela acabou parando em Juiz de Fora, onde criou seus seis filhos. Aposentada, hoje é avó de quatro netos. A história de Ilka é o retrato fiel da dinâmica demográfica brasileira das últimas cinco décadas, caracterizada por uma rápida queda da fecundidade, aliada à crescente expectativa de vida. Para se ter uma ideia, em todo país, a taxa de fecundidade total – número de filhos vivos tidos por mulher durante o ciclo reprodutivo – caiu de cerca de seis filhos por mulher, na década de 1950, para cerca de três filhos, na década de 1980, provocando um acelerado envelhecimento da estrutura etária da população.
O país a ser revelado pelo Censo 2010 do IBGE, segundo análises preliminares, terá um contingente de 14 milhões de idosos. A tendência de envelhecimento da população foi mostrada em recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que faz uma proporção entre crescimento total de habitantes e das pessoas com mais de 60 anos. Enquanto a população com um todo cresce à taxa de 0,9% ao ano, o incremento de idosos avança quatro vezes mais (3,8% anuais). Em Juiz de Fora, na última década, a proporção foi mais acentuada, com o número de habitantes total crescendo 15% e de idosos chegando a 50%. O município possui atualmente 71 mil idosos, número que deve se manter em curva ascendente nas próximas décadas.
A insegurança quanto à capacidade de a Previdência resistir aos próximos anos, em meio a rápidas e violentas transformações nos campos demográfico, econômico, político, institucional e social, conduz a discussão sobre a reforma do sistema de seguridade, entendida como o conjunto de programas de previdência, saúde e assistência social. O déficit crescente deve fechar o ano em R$ 47 bilhões. Estimativas do Ipea mostram que o Brasil gasta o equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) no pagamento de aposentadorias e pensões, incluindo as previdências do setor público e privado. Em um universo de 113 países pesquisados pelo instituto, o Brasil figura na 14ª posição entre os que mais gastam com previdência.
Apontado como um dos patinhos feios desse elevado custo brasileiro, o regime previdenciário do funcionalismo federal, que atende a 938 mil funcionários, encerrou 2009 com déficit de R$ 47 bilhões. Por outro lado, o chamado regime geral, que paga 27 milhões de benefícios mensais, fechou o ano passado com saldo negativo de R$ 43,6 bilhões. O próprio ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, já sinalizou que deve agir para corrigir tais distorções, sem que seja necessária uma reforma. Para isso, técnicos da pasta estudam a proposta de convergência entre as regras em vigor no regime geral de Previdência Social e as que compõem o regime de Previdência dos servidores, o que dispensaria alteração na Constituição.
Para o orçamento
O ministro assegurou ainda que vem atuando para conter os impactos decorrentes da informalidade, do desemprego e das fraudes. O maior problema, entretanto, é a inclusão nas contas da Previdência de despesas de caráter não previdenciário. O diagnóstico é do historiador e cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Ignácio Godinho Delgado. Autor do livro “Previdência Social e Mercado no Brasil”, ele elogia a estrutura de receita e gasto da Previdência. “Posso afirmar que não há problema com a Previdência. Problema é incluir despesas, como a chamada aposentadoria rural, onde quem nunca contribuiu vai receber benefício. Esses tipos de gastos teriam que ter receitas dentro do orçamento, o que não acontece.” Atualmente, os benefícios referentes à aposentadoria rural pagos à gerência executiva do INSS de Juiz de Fora representam cerca de 20% do total.
Mudanças só em 2025
Mesmo mantendo a polêmica aposentadoria por tempo de contribuição, que permite ao trabalhador se aposentar a qualquer idade, Ignácio Delgado considera que, apenas em meados da década de 2020, serão necessários alguns ajustes no modelo previdenciário brasileiro. “Corrigindo as distorções, como retirar despesas que não sejam previdenciárias, teremos que alterar alguns parâmetros, mas, conforme os demógrafos, somente próximo a 2025.” Seu otimismo é compartilhado pela professora Denise Lobato Gentil, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Especialista no assunto, ela defende, em recente estudo, o aquecimento da economia, com maior geração de empregos formais e aumento dos lucros como antídoto para qualquer ameaça contra o sistema previdenciário. Alterar o limite de idade, que consta em muitos receituários de analistas do setor, para forçar uma permanência maior do contribuinte no mercado, ajuda pouco, segundo a professora. Seu argumento é de que, se o trabalhador de 40 anos já enfrenta dificuldades para se manter no mercado, não há muito o que esperar em relação a um sexagenário.
Dever do Estado
Quanto às propostas de reforma, a professora sustenta que a equação baixas taxas de natalidade e aumento da expectativa de vida da população não justifica a mudança pretendida. Mesmo considerando o envelhecimento da população como algo incontestável, ela considera o discurso falacioso sob a ótica fiscal. “Se no futuro haverá mais idosos, é dever do Estado ampará-los e não dificultar o acesso à aposentadoria ou achatar os valores.” Encarar o envelhecimento como problema, segundo a especialista, trata-se de uma saída socialmente desastrosa.
Sua aposta reside na implementação de uma política econômica que assegure “patamares sustentáveis de crescimento”, com mais trabalhadores no mercado formal, menor desemprego, melhores padrões de renda, logo, com uma receita maior para a Previdência. Segundo ela, o problema não passa pelo envelhecimento, por uma questão meramente demográfica, mas pelo aspecto sócioeconômico a ser enfrentado. “Se tivermos geração de empregos, com carteira assinada, o sistema estará mais equilibrado e mais justo. O que resolve o problema da Previdência é crescimento, lucro e faturamento.”
Benefício reduz pobreza
Na sua mais recente declaração quanto ao déficit previdenciário brasileiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que é melhor a Previdência Social com rombo do que um cidadão morrendo de fome. Para a professora Denise Lobato Gentil, de fato, a Previdência tem cumprido um papel importante social e tem sido um dos principais motores do crescimento do país. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a cobertura do sistema previdenciário é de 65% da população em idade ativa (entre 16 e 64 anos de idade). Os beneficiados saltaram de 31,2 milhões em 1978 para 81,2 milhões em 2008.
O principal aspecto das transferências de renda via previdência e assistência social, segundo o instituto, envolve a redução da pobreza entre as famílias brasileiras. “As transferências previdenciárias e assistenciais da seguridade social expandiram-se e consolidaram-se nas últimas décadas, de modo que hoje representam uma fatia considerável – quase 20% da renda das famílias brasileiras em todos os estados”, aponta o relatório.
Impacto
O impacto atual desse modelo de transferência pode ser mensurado quando comparado com dados de 1978. Naquele ano, 26,9 milhões de pessoas tinham renda per capita de menos de um quarto de salário-mínimo. Desconsiderando as transferências, a quantidade de pessoas nessa situação chegaria a 40,5 milhões em três décadas. Acontece que, segundo o Ipea, em 2008, eram 18,7 milhões nessa condição. Conforme o estudo, a incidência da pobreza entre idosos, em especial, “pôde ser quase eliminada graças às políticas previdenciárias e assistenciais”.
Publicado em 27/09/2010
(Ricardo Miranda – Tribuna de Minas-26.09)










